Nas competições, os esportistas com deficiência não competem apenas contra adversários, mas contra si mesmos, buscando evolução
Superação, vitória e inclusão. Qualquer um desses termos pode ser utilizado para contar a história do paduense Maico Morandi e dos florenses, Marlon Borella e Rogério Krupinski, que venceram as adversidades impostas pela vida e, mesmo assim, praticam futevôlei, futsal e Jiu-Jitsu, respectivamente.
O presidente da Câmara de Vereadores de Nova Pádua, Maico Morandi, de 24 anos, sofreu um acidente de trator quando tinha 1 ano e 10 meses. “Naquela ocasião, a manga do casaco que estava usando enroscou no gardan do trator (peça que liga o trator a um equipamento mecânico) e arrancou por inteiro meu braço direito”, recorda Morandi.
Para Maico, o período mais complicado foi quando ingressou no colégio. “Tinha um pouco de vergonha e me sentia desconfortável pelas brincadeiras de alguns colegas. Hoje, levo da forma mais descontraída e sincera possível, sem mais problemas e constrangimentos”, relata o paduense.
Morandi começou a disputar campeonatos de futsal e futebol. “Inicialmente atuei por equipes de Nova Pádua e depois, também, em Flores da Cunha. Nos primeiros campeonatos tinha um pouco de receio, mas, depois, essa adversidade passava despercebida”, garante.
Com o surgimento do futevôlei, Morandi arriscou-se nas quadras de areia de Flores da Cunha e região. Mais uma vez, tirou de letra os novos obstáculos e constantemente figura no pódio dos torneios desta modalidade. “No futevôlei as dificuldades são maiores, uma vez que o braço é primordial tanto para o funcionamento do ombro, quanto para o equilíbrio e para efetuar o movimento de defesa e levantamento com o pé”, frisa.
De acordo com Morandi, as pessoas que possuem alguma deficiência devem ser pacientes e se aceitarem. “O fato dificilmente pode ser mudado e, portanto, não deixem de fazer algo por algum motivo supérfluo ou pelo que os outros possam falar. Encontrem os seus limites e saibam se adaptar porque sempre terá um esporte para nós”, finalizou.
DRIBLANDO AS DIFICULDADES
O bancário Marlon Borella, 21 anos, nasceu com uma deficiência no braço direito. Ainda no pré-natal, entre cinco e seis meses de gestação, a mãe Vera Lucia de Oliveira Borella sabia que o filho nasceria com problema por conta do enrolamento do cordão umbilical que prejudicou o desenvolvimento do feto. A doença é mais conhecida como ausência congênita de antebraço e mão.
Marlon destaca que até os 10 anos de idade, pela inocência, não tinha o discernimento do problema. “O início da adolescência foi o período mais complicado por me comparar com os jovens da minha idade e me questionava: porque eu? Era uma situação interna minha, mas nada que atrapalhasse porque sempre fui muito bem tratado, tanto na escola como nos grupos de amigos”, relata o florense.
Para Borella, a adaptação ocorre por necessidade. “Quando comecei a estudar enfrentei muitas dificuldades, desde amarrar os tênis, cortar a comida no lanche da escola, atividades de cortar e colar, entre outras. Acabei criando formas de me adaptar a cada situação. Diante de alguma dificuldade procuro encontrar uma solução. Se coloco na minha cabeça que não sou capaz, continuo na mesmice e sei que não vou conquistar meus objetivos”, frisa.
Marlon sempre foi um apaixonado por esportes. Desde criança, acompanhava o pai, Aurio, nos jogos do Ferroviário, no Travessão Curuzu e, ali, essa paixão pelo futebol só cresceu, mesmo sabendo que o problema no braço seria uma dificuldade a mais no esporte. “Comecei a praticar futsal e futebol com 14 anos de idade. No início não tive receio algum. Sempre fui com a cara e coragem. Nunca me limitei a praticar as duas modalidades, porque eu realmente gostava”, aconselha.
De acordo com Borella, tudo na vida é questão de repetição, determinação e esforço. “Ao disputar competições de alto nível, os atletas com idade superior a minha acabam tendo vantagem na questão física. Outra dificuldade enfrentada durante os jogos é a proteção de bola, principalmente se for com o lado direito do corpo. São detalhes que às vezes passam despercebidos para quem assiste, mas, importantes quando faço uma análise das minhas atuações”, explica.
“Seja na escola, escolinhas de futebol ou nos times que atuei, nunca sofri nenhum tipo de preconceito, embora algumas pessoas relatam que estou em determinado time porque tenho problema no braço e não pela minha qualidade, mas cabe a mim utilizar isso como motivação para melhorar sempre mais”, reforçou Marlon.
Borella também relata o aprendizado no decorrer da vida. “Nunca chame sua deficiência de problema, mas sim, de diferença. Depende de como tratamos as coisas. Se experimentem e não se limitem, não criem barreiras porque o esporte é o melhor ambiente para que as pessoas vençam as adversidades e superem seus limites. Minhas melhores amizades vieram do esporte”, resumiu Marlon Borella.
UM GOLPE PARA VENCER AS LIMITAÇÕES
O projetista Rogério Odair Krupinski, 41 anos, nasceu com uma deficiência na perna direita, consequência de uma má formação congênita. Até os 21 anos, Rogério caminhava com a própria perna, mesmo sendo 20 cm mais curta. Rogério trabalhava na colônia e, por conta do esforço repetitivo apareceram problemas na coluna. Por ter apenas um osso da canela, com o tempo o pé começou a entortar e, em 2002, teve que amputar a perna.
Krupinski conheceu o Jiu-jitsu em 2014, quando foi convidado pelo atual professor Altamir Gu. “O esporte me ajudou, principalmente na autoestima, mas confesso que, no início, tinha muita vergonha pela minha deficiência”, recorda ele.
Durante a luta, o esportista tira a prótese e compete com as mesmas regras de atletas normais. Rogério lamenta que, em 2022, ainda se enfrente preconceito por conta de uma deficiência. “No começo ficava mais preocupado com isso, mas, hoje, é um combustível a mais para buscar meus objetivos”, questionou o lutador.
De acordo com Rogério, em cima do tatame os atletas normais encontram mais dificuldades nas lutas contra ele por ter um membro a menos para ser finalizado pelos adversários. “Já disputei várias competições de jiu-jitsu. O mais marcante foi o campeonato de 2017, uma seletiva realizada no Rio de Janeiro, com vaga para o Abu Dhabi Grand Slam. Na ocasião, fiquei com o 2º lugar na categoria peso pena (normal) e em 3º na categoria deficiente, peso livre.
Para o atleta, a amputação é, geralmente, temida por todos, pois traz a imagem de mutilação, incapacidade, impossibilidade de trabalhar e exercer as atividades do dia a dia. “Devemos considerá-la como o princípio de uma nova fase, pois, se de um lado houve a perda de um membro e a alteração da imagem corporal, do outro se eliminou o perigo da perda da vida, ou deu alívio a sofrimentos intoleráveis. Portanto, não devemos lamentar o que foi perdido, mas devemos dar a devida importância ao que restou”, finaliza Krupinski.
Texto: Maicon Pan / Jornal O Florense
Fotos/Divulgação: Site Piccolo Esportivo e Karine Bergoza